Foi sancionada e publicada no Diário Oficial da União em 29 de outubro de 2025 a Lei nº 15.240/2025, que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para reconhecer oficialmente o abandono afetivo de crianças e adolescentes como ato ilícito civil, passível de indenização por danos morais.
A norma representa um marco histórico no Direito de Família e na proteção integral da infância e juventude, pois reconhece que o dever dos pais não se limita ao sustento material, abrangendo também o cuidado emocional, a convivência familiar e a assistência afetiva. A omissão injustificada nesse dever passa a gerar consequências legais concretas.
O abandono afetivo consiste na omissão dos pais ou responsáveis no dever de garantir não apenas o sustento, mas também o cuidado emocional, o carinho e a presença constante na vida dos filhos. A lei reforça que a convivência e a assistência afetiva são deveres parentais equivalentes ao sustento material, à guarda e à educação.
Pela nova legislação, a assistência afetiva é definida como o contato e a visitação regular para acompanhar a formação psicológica, moral e social da criança ou adolescente. Inclui também o dever de dar orientação sobre escolhas importantes (educacionais e profissionais), oferecer apoio em momentos difíceis e estar presente fisicamente quando solicitado, se possível.
Trata-se, portanto, de uma ampliação do conceito de cuidado parental, que passa a englobar a presença ativa e responsável dos pais na formação integral dos filhos.
A lei estabelece que, caso seja comprovada a omissão ou o abandono afetivo pela Justiça, os pais ou responsáveis poderão ser obrigados a pagar reparação de danos (indenização) pelo mal causado, além de estarem sujeitos a outras sanções civis.
Além disso, a norma prevê que, em casos de maus-tratos, negligência, opressão ou abuso sexual, a autoridade judiciária poderá determinar o afastamento do agressor da moradia comum, assegurando a proteção integral da criança ou adolescente.Essas disposições concretizam o entendimento de que a ausência de afeto e convivência gera prejuízos emocionais e psicológicos reais, capazes de ensejar responsabilidade civil, nos termos dos artigos 186 e 927 do Código Civil.
A lei reforça o conceito jurídico de ato ilícito, entendido como qualquer ação ou omissão contrária à lei que cause dano a outrem e gere a obrigação de indenizar. O abandono afetivo caracteriza um ato ilícito civil, cuja consequência é a reparação financeira e moral do dano sofrido pela vítima a criança ou o adolescente.
Assim, o abandono afetivo passa a ter repercussões jurídicas claras, deixando de ser apenas um comportamento reprovável moralmente para se tornar conduta juridicamente sancionável.
Antes da positivação legislativa, a jurisprudência já reconhecia a possibilidade de responsabilização por abandono afetivo. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Recurso Especial nº 1.159.242/SP, relatoria da Ministra Nancy Andrighi, firmou o entendimento de que “amar é faculdade, mas cuidar é dever”, inaugurando a base principiológica para a reparação civil nesses casos.
Ainda nesse viés, Rodrigues e De Aguiar (2023) observam que não há consenso pleno na doutrina e na jurisprudência sobre os objetivos da indenização por abandono afetivo, embora se reconheça que ela pode cumprir múltiplas funções. Essa indenização, além de punir a omissão dolosa nos deveres parentais, tem a finalidade de prevenir comportamentos de paternidade negligente e abandono dos filhos, conferindo ao afeto um papel central no direito de família contemporâneo.
Com a Lei nº 15.240/2025, esse entendimento ganha força normativa, assegurando que o afeto, antes apenas um valor moral, passa a ser também um dever jurídico, essencial à paternidade e à maternidade responsáveis.
A positivação do abandono afetivo como ato ilícito civil é um avanço civilizatório. O Estado reconhece que a ausência emocional causa danos reais, muitas vezes mais profundos que a falta de recursos materiais.
A lei estimula a presença responsável dos pais, fortalecendo o vínculo familiar e promovendo o desenvolvimento psicológico saudável das crianças e adolescentes. A partir de agora, negligenciar o afeto é violar um direito fundamental. O cuidado, a convivência e o amor tornam-se obrigações legais, indispensáveis ao exercício da parentalidade.
A Lei nº 15.240/2025 representa um novo paradigma nas relações familiares, ao afirmar que o afeto é também um dever jurídico.
O ordenamento jurídico brasileiro passa a reconhecer, de forma expressa, que o abandono emocional configura ato ilícito civil, passível de indenização e demais medidas judiciais cabíveis.
Trata-se de uma conquista da sociedade e do Direito, que reafirma o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e o melhor interesse da criança e do adolescente, conforme o art. 227 da Constituição Federal.
Conclui-se, portanto, que o chamado “valor do afeto” não se refere à precificação de sentimentos, mas à afirmação de que o cuidado é um dever jurídico essencial, cuja omissão gera repercussões que exigem resposta do Estado e da sociedade.
A indenização por abandono afetivo, nesses casos, cumpre dupla função: compensar o sofrimento experimentado pelo filho e reforçar a importância da parentalidade responsável como dever ético e jurídico.
Dessa forma, a responsabilização civil pelo descumprimento dos deveres afetivos representa não apenas uma medida reparatória, mas também um instrumento de conscientização social. Ela reafirma que o vínculo afetivo é indispensável à formação da pessoa e que o dever de amar, ainda que não possa ser imposto, se traduz em condutas concretas de cuidado, presença e respeito.
A pornografia de vingança, também conhecida como revenge porn, constitui uma forma contemporânea de violência baseada em gênero, amplamente potencializada pelo uso das tecnologias digitais. Este artigo analisa o conceito, os elementos caracterizadores, os impactos nas vítimas, os caminhos legais para responsabilização dos autores e os mecanismos de prevenção e apoio disponíveis no ordenamento jurídico brasileiro.
Com a popularização da internet e das redes sociais, as relações interpessoais se intensificaram no ambiente digital. Nesse contexto, surgiu uma nova modalidade de violência: a pornografia de vingança, que consiste na divulgação não autorizada de imagens ou vídeos íntimos, geralmente motivada por sentimentos de revanche após o fim de relacionamentos afetivos. Trata-se de prática que atenta contra a dignidade da vítima, gerando graves consequências emocionais, sociais e jurídicas.
A pornografia de vingança é definida como a divulgação, exposição, compartilhamento ou publicação de conteúdo íntimo de natureza sexual, sem o consentimento da vítima, geralmente com o intuito de humilhá-la, coagi-la ou vingar-se.
Embora o nome popular seja “vingança”, a motivação pode variar: chantagem, controle emocional, extorsão ou puro entretenimento misógino. A vítima, em sua maioria, é do sexo feminino, e os danos extrapolam a esfera privada, atingindo sua honra, privacidade e até mesmo sua segurança física.
A legislação brasileira vem avançando na criminalização dessa conduta. Destacam-se:
Art. 218-C do Código Penal
“Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio, inclusive por meio da rede mundial de computadores (internet), fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de sexo, nudez ou pornografia, sem o consentimento da vítima:
Pena: reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.”
A pena pode ser aumentada:
• Se o crime for praticado por vingança ou humilhação;
• Se houver relação íntima de afeto entre autor e vítima;
• Se a vítima for menor de 18 anos ou tiver alguma deficiência.
Nos casos em que a vítima for mulher e a violência decorrer de uma relação íntima, aplica-se a Lei nº 11.340/2006 – Lei Maria da Penha, por se tratar de violência psicológica e moral contra a mulher.
O autor do crime pode sofrer:
• Responsabilidade penal, com pena de reclusão de até 5 anos (ou mais, em casos de concurso de crimes);
• Responsabilidade civil, com obrigação de indenizar por danos morais e eventuais danos materiais (perda de emprego, tratamentos psicológicos etc.);
• Medidas cautelares como retirada imediata do conteúdo, busca e apreensão de dispositivos e medidas protetivas, caso a vítima esteja em risco.
A vítima pode e deve procurar:
• Delegacias de Polícia ou Delegacias da Mulher, denunciando o crime;
• Ministério Público para requerer providências imediatas;
• Defensorias Públicas, caso não tenha condições de arcar com advogado;
• Saúde pública e apoio psicológico, por meio dos Centros de Referência da Mulher ou CAPS;
• Plataformas digitais, como redes sociais ou sites, para requerer a remoção do conteúdo com base nas Políticas de Privacidade e nos Termos de Uso, invocando a violação de imagem e da dignidade.
Além disso, a SaferNet Brasil (www.safernet.org.br) oferece apoio jurídico e psicológico, além de canal para denúncias.
A melhor forma de combater essa violência é por meio da educação digital e da conscientização sobre consentimento e respeito à intimidade alheia. É essencial:
• Ensinar sobre o sigilo da intimidade;
• Promover ações preventivas nas escolas e comunidades;
• Fortalecer o apoio institucional às vítimas;
• Incentivar a denúncia e romper o ciclo de silenciamento.
A pornografia de vingança é uma manifestação cruel da violência digital e de gênero, que deve ser enfrentada com firmeza pelas instituições, pelo sistema de Justiça e pela sociedade. A legislação brasileira tem avançado, mas o acolhimento às vítimas e a punição efetiva dos agressores ainda dependem da atuação vigilante de todos os atores do sistema de proteção e justiça.
O silêncio nunca deve ser uma opção. Às vítimas, resta a coragem e o amparo da lei. Aos agressores, a certeza da responsabilização penal, civil e social.
Caso você, leitor, ou alguém próximo estejam enfrentando uma situação de exposição íntima não consentida, busque ajuda imediatamente. A orientação jurídica especializada, o acolhimento psicológico e a denúncia formal são caminhos fundamentais para interromper o ciclo de violência, garantir a responsabilização do agressor e proteger os direitos fundamentais à intimidade, à honra e à dignidade da pessoa humana.
Por André Wallace e Thays dos Santos Reis, advogados especializados.
Junho é conhecido como o mês do Orgulho LGBTQIAPN+. Esse período tem como objetivo reforçar a importância de discutir as temáticas que envolvem gênero e sexualidade, bem como promover uma maior equidade social, inclusão e a redução dos preconceitos historicamente direcionados a esse grupo. Mais do que um mês de celebração, é um momento de reflexão, resistência e luta por direitos, dignidade e reconhecimento.
Nas últimas décadas, importantes avanços foram conquistados pela população LGBTQIAPN+, como, por exemplo, a criminalização da homofobia e da transfobia. No entanto, apesar dos avanços, essa parte da população ainda enfrenta inúmeros desafios, especialmente relacionados à garantia de direitos básicos.
Um dos principais entraves é a dificuldade de acesso aos serviços de saúde, uma vez que o sistema de saúde brasileiro, embora universal, ainda apresenta barreiras estruturais, institucionais e culturais que impedem o cuidado amplo, humanizado e efetivo às pessoas LGBTQIAPN+, especialmente às pessoas trans, travestis e não binárias. A falta de preparo de muitos profissionais, somada ao preconceito institucional, gera exclusões, constrangimentos e, muitas vezes, o afastamento dessa população dos espaços de cuidado e promoção da
saúde.
No campo jurídico, algumas decisões foram marcos fundamentais na consolidação dos direitos LGBTQIAPN+ no Brasil. Entre elas, destaca-se o reconhecimento da união estável homoafetiva pelo Supremo Tribunal Federal (STF), nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4277 e na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 132, em 2011. Essas decisões garantiram às uniões entre pessoas do mesmo sexo os mesmos direitos e deveres das uniões heteroafetivas, marcando um divisor de águas na luta contra a discriminação.
Logo depois, em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução nº 175, que regulamentou o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, proibindo qualquer cartório de recusar habilitação, celebração de casamento ou conversão de união estável em casamento de casais homoafetivos, garantindo, assim, pleno reconhecimento legal.
Outra conquista expressiva foi a consolidação, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), do entendimento de que casais homoafetivos têm o direito de adotar. O STJ reforçou que o critério principal na adoção deve ser sempre o melhor interesse da criança e do adolescente, priorizando a formação de vínculos afetivos e a estabilidade familiar, independentemente da orientação sexual dos adotantes.
No campo dos direitos das pessoas trans, o STF, na ADI nº 4275, julgada em 2018, garantiu o direito à retificação de nome e gênero diretamente no registro civil, sem a necessidade de cirurgia de redesignação sexual, laudos médicos ou autorização judicial. Essa decisão fortaleceu o direito à autodeterminação de gênero, essencial para a dignidade da pessoa humana.
Outro marco fundamental foi a criminalização da LGBTfobia. Em 2019, no julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADO) nº 26 e do Mandado de Injunção (MI) nº 4733, o STF decidiu que atos de homofobia e transfobia se enquadram na Lei nº 7.716/1989, que trata dos crimes de racismo. Até que o Congresso Nacional legisle sobre o tema, a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero passa a ser punida nos mesmos moldes dos crimes resultantes de preconceito de raça e cor.
Esses avanços jurisprudenciais refletem o protagonismo do Poder Judiciário na efetivação dos direitos fundamentais da população LGBTQIAPN+, suprindo omissões históricas do Poder Legislativo. O STF, de forma consistente, tem aplicado os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da não discriminação, demonstrando o compromisso do Estado com a proteção de grupos historicamente marginalizados.
Apesar dessas conquistas, o Brasil ainda ocupa o triste posto de um dos países que mais mata pessoas LGBTQIAPN+, especialmente pessoas trans e travestis. A violência, o preconceito, a marginalização e a dificuldade de acesso aos direitos mais básicos, como saúde, educação e trabalho, continuam sendo uma realidade cotidiana para grande parte dessa população.
O fato de muitos desses direitos terem sido assegurados majoritariamente por decisões judiciais e não por uma legislação específica e abrangente demonstra tanto a força da atuação do Judiciário quanto a fragilidade e resistência do Legislativo em enfrentar de forma mais direta as pautas da diversidade e dos direitos humanos.
Torna-se imprescindível, portanto, que além das decisões judiciais, sejam implementadas políticas públicas efetivas, investimentos em educação inclusiva, capacitação de profissionais de saúde, segurança e justiça, bem como a criação de leis que fortaleçam os direitos já conquistados e ampliem a proteção à comunidade LGBTQIAPN+.
Por fim, é fundamental destacar que, em caso de dúvidas, situações de discriminação, violação de direitos ou qualquer afronta aos seus direitos enquanto pessoa LGBTQIAPN+, é altamente recomendável procurar um advogado atuante em temáticas LGBTQIAPN+ e Direitos Humanos. Esse profissional poderá orientar, esclarecer dúvidas e adotar todas as medidas necessárias para garantir a proteção, a efetividade e a defesa dos seus direitos fundamentais.
O amor é a força mais poderosa que existe, capaz de transformar, acolher e construir um mundo onde todas as formas de existir sejam respeitadas e celebradas.
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A atuação da advocacia criminal nos primeiros momentos de um flagrante é, muitas vezes, o que define o rumo de todo o processo penal. Em um país onde o encarceramento em massa atinge principalmente os mais vulneráveis, o acompanhamento jurídico imediato não é apenas um direito do acusado é uma salvaguarda contra arbitrariedades, nulidades e injustiças irreparáveis.
O flagrante representa o instante mais crítico do processo penal. É nesse momento que se estabelece a versão inicial dos fatos, são colhidos depoimentos, lavrado o auto de prisão e realizadas apreensões. Qualquer vício nessa etapa, ausência de mandado, ausência de advogado, coação, irregularidades na lavratura do auto, pode contaminar toda a persecução penal.
O advogado tem papel essencial em garantir que os direitos do preso sejam respeitados desde o primeiro instante: saber o motivo da prisão, verificar se houve abuso, acompanhar interrogatórios, e principalmente, resguardar o direito ao silêncio e à integridade física.
Prevenção de ilegalidades e nulidades
O acompanhamento de um advogado durante o flagrante é uma forma eficaz de evitar: Violação de domicílio sem mandado judicial (exceto nas hipóteses legais); Apreensão ilegal de objetos e celulares sem autorização judicial; Pressões psicológicas ou físicas para obter confissões; e Fracassos de formalização no auto de prisão.
A presença técnica da defesa permite a impugnação imediata de provas ilícitas, registro de abusos e atuação com vistas à liberdade imediata, inclusive por meio de relaxamento de prisão ou habeas corpus.
O direito à liberdade como prioridade
No contexto do flagrante, a atuação do advogado também pode evitar a conversão automática da prisão em preventiva. Um bom advogado apresentará elementos concretos de residência fixa, trabalho lícito, primariedade e ausência de risco processual. Isso é essencial para garantir que a prisão cautelar, de exceção, não vire regra.
Além disso, o advogado pode postular alternativas legais, como liberdade provisória com ou sem medidas cautelares, colaborando para um processo justo e proporcional. A atuação do advogado no flagrante é a linha de frente da defesa técnica e dos direitos fundamentais. Não basta “ver o que vai dar depois”. É nesse momento, o mais frágil e perigoso para o acusado que a presença da defesa qualificada faz toda a diferença.
Mais do que garantir legalidade, o advogado que atua no flagrante impede que o processo penal seja um instrumento de opressão. E, diante de qualquer acusação, a primeira reação deve ser clara: “Chame o seu advogado”.
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A busca pela estética perfeita se intensificou nas últimas décadas, tornando as cirurgias plásticas procedimentos amplamente procurados por pacientes que almejam melhorias na aparência. Nesse cenário, surge uma relevante discussão jurídica: qual é a responsabilidade civil dos médicos que realizam cirurgias plásticas estéticas? O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem consolidado entendimento no sentido de que, nesses casos, há obrigação de resultado, o que implica consequências jurídicas significativas.
A obrigação do médico, em regra, é de meio, ou seja, o profissional compromete-se a empregar todos os recursos e técnicas disponíveis com diligência e prudência, mas sem garantir o sucesso do procedimento. No entanto, nas cirurgias plásticas de cunho exclusivamente estético (não
reparadoras), o entendimento jurisprudencial majoritário é de que a obrigação é de resultado.
Nesse contexto, caso o resultado prometido não seja alcançado, presume-se a culpa do profissional, cabendo a ele demonstrar a existência de excludentes de responsabilidade, como o caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva do paciente. O artigo 14, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece que a responsabilidade dos profissionais liberais será apurada mediante verificação de culpa. Entretanto, no caso das
cirurgias estéticas, essa culpa é presumida, invertendo-se o ônus da prova em desfavor do médico, conforme orientação firmada pelo STJ.
Além disso, o CDC protege o consumidor (paciente), exigindo do fornecedor (médico) o cumprimento das legítimas expectativas criadas no momento da contratação do serviço, inclusive quanto aos resultados prometidos. Cumpre registrar que, em se tratando de cirurgia plástica estética não reparadora, como no caso, existe consenso na jurisprudência e na doutrina de que se trata de obrigação de resultado (nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes:
-AgInt no REsp n. 1.544.093/DF, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 9/8/2016, DJe de 16/8/2016;
-AgRg no REsp n. 1.468.756/DF, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 19/5/2016, DJe de 24/5/2016; e
-REsp n. 1.395.254/SC, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 15/10/2013, DJe de 29/11/2013).
Estratégias de Defesa do Médico
Diante desse cenário, os médicos devem adotar cuidados específicos, como:
• Documentação Detalhada: É essencial manter registros completos e precisos de todo o processo, incluindo:
• Consentimento Informado: Um termo de consentimento bem elaborado, assinado pelo paciente, que detalhe os riscos, benefícios e limitações do procedimento.
• Prontuários Médicos: Registros das consultas pré-operatórias, onde foram discutidas as expectativas do paciente e as limitações do procedimento.
• Fotografias Antes e Depois: Imagens que demonstrem objetivamente as condições do paciente antes e após a cirurgia.
• Prova de Fatores Externos: O médico deve demonstrar que o insucesso decorreu de fatores alheios à sua atuação, como:
• Reações Biológicas Inesperadas: Por exemplo, rejeição de próteses ou encapsulamento, mesmo quando todos os protocolos foram seguidos.
• Culpa Exclusiva do Paciente: Situações em que o paciente não seguiu as orientações médicas, como a troca inadequada de curativos ou a ausência em consultas de acompanhamento.
• Caso Fortuito ou Força Maior: Eventos imprevisíveis e inevitáveis que comprometeram o resultado, como complicações médicas inesperadas.
• Laudo Pericial: A perícia técnica é fundamental para comprovar que o procedimento foi realizado de acordo com as melhores práticas médicas e que o insucesso não decorreu de erro, negligência ou imprudência.
• Testemunhas Especializadas: O depoimento de outros profissionais da área pode reforçar a adequação técnica do procedimento e a conformidade com os padrões médicos.
• Demonstração de Diligência e Prudência: O médico deve comprovar que seguiu todos os protocolos e agiu com cautela, conforme os ditames da boa-fé objetiva.
A crescente demanda por intervenções cirúrgicas com fins exclusivamente estéticos revela um fenômeno social que ultrapassa as fronteiras da medicina e adentra o campo dos direitos do consumidor, da dignidade da pessoa humana e da responsabilidade civil. Nesse contexto, o Poder
Judiciário, em especial o Superior Tribunal de Justiça, tem desempenhado papel fundamental ao estabelecer parâmetros jurídicos claros sobre a natureza da obrigação assumida pelo cirurgião plástico, consolidando a tese de que, nas cirurgias estéticas não reparadoras, a obrigação é de
resultado, e não meramente de meio.
Essa mudança de paradigma visa, acima de tudo, proteger o paciente-consumidor que, muitas vezes movido por expectativas legítimas, entrega-se a um procedimento invasivo na confiança de que obterá o resultado prometido. Ao mesmo tempo, impõe ao médico um dever redobrado de transparência, diligência e tecnicidade, exigindo que adote uma conduta não apenas tecnicamente adequada, mas também ética e comunicativa, especialmente no que tange ao esclarecimento de riscos e limitações do procedimento.
Contudo, essa responsabilização não pode ser absoluta nem tampouco desproporcional. A responsabilidade subjetiva, com presunção de culpa e inversão do ônus da prova, deve ser interpretada à luz dos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. A atuação médica, embora sujeita à crítica e à responsabilização civil, deve ser julgada com base em critérios técnicos, científicos e contextuais, não se confundindo insucesso com imprudência, imperícia ou negligência.
Diante disso, é imprescindível que o cirurgião plástico se cerque de todos os meios de documentação, consentimento informado e prova técnica apta a demonstrar a lisura de sua conduta. Por outro lado, o paciente deve ser devidamente informado e consciente de que, mesmo em procedimentos estéticos, o corpo humano reage de forma diversa e nem sempre inteiramente previsível.
A jurisprudência do STJ, ao conferir estabilidade e coerência ao tratamento do tema, contribui para a construção de um ambiente jurídico mais seguro para ambas as partes: pacientes protegidos de promessas ilusórias e profissionais resguardados de responsabilizações arbitrárias. Nesse
equilíbrio, reside a essência da boa-fé objetiva, da confiança legítima e da justiça nas relações médico-paciente, pilares indispensáveis para uma sociedade que valoriza, simultaneamente, a saúde, a estética e o respeito aos direitos fundamentais.
Conhecer e compreender os direitos que envolvem procedimentos estéticos é essencial para garantir segurança, autonomia e respeito à dignidade do paciente. É fundamental que as pessoas estejam bem informadas sobre os riscos, deveres do médico e os mecanismos legais de proteção
disponíveis em casos de erro ou insatisfação com o resultado da cirurgia plástica.
Caso enfrente alguma situação de negligência ou se sinta lesado por um procedimento estético, um advogado de sua confiança para os encaminhamento adequados.

Direito
André Wallace, Advogado e consultor jurídico, especialista em Processo Penal e pós-graduando em Execução Penal e em D. Humanos. Thays dos Santos Reis, Advogada, Assessora Especial da Procuradoria da Mulher da Câmara Municipal de Imbituba, inscrita na OAB/SC sob o número 71.417, pós-graduanda em Direito e Processo Penal.