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A Abin (Agência Brasileira de Inteligência) produziu diversos alertas acerca do risco iminente de ataques a prédios públicos pelos radicais bolsonaristas que vandalizaram as sedes dos três Poderes em Brasília no domingo (8).
Os textos são distribuídos para todos os integrantes do Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência), rede que une 48 órgãos em 16 ministérios diversos. A Folha obteve um deles, datado do sábado, véspera do incidente.
"Conforme a ANTT [Agência Nacional de Transportes Terrestres], houve aumento do número de fretamentos de ônibus com destino a Brasília para este final de semana. Há um total de 105 ônibus, com cerca de 3.900 passageiros", diz o despacho.
"Mantêm-se convocações para ações violentas e tentativas de ocupações de prédios públicos, principalmente na Esplanada dos Ministérios", completou o texto, profetizando o que viria ocorrer no dia seguinte.
Um dos aspectos mais obscuros da inédita violência registrada na capital é o papel das forças federais de segurança. A omissão e conivência da Polícia Militar do Distrito Federal está mais do que provada por vídeos registrados pelos próprios bolsonaristas, e levou ao afastamento do governador, mas o apagão do lado do governo Lula gera dúvidas.
A Folha tentou falar com o GSI (Gabinete de Segurança Institucional), a quem a Abin está subordinada, sem sucesso. Enviou também uma mensagem questionando o ministro Flávio Dino (Justiça), que tem centralizado parte da reação oficial à crise.
Ele só falou sobre o tema depois, em entrevista coletiva, em que comentou apenas sobre o papel falho da PM-DF no episódio. "Fizemos o possível. A esfera federal só age [em temas de segurança] quando a esfera local falha. Cada um tem o seu papel", disse o ministro.
Com os alertas da Abin, recebido por diversos órgãos do Ministério da Defesa, teria sido possível estruturar uma resposta mais efetiva. Segundo um oficial-general do Exército, o sistema de inteligência da Força dificilmente não teria visto a movimentação, dado que tinha elementos infiltrados no acampamento desmontado nesta segunda (9) à frente do seu Quartel-General em Brasília.
O máximo que houve foi uma ordem de Dino para que agentes da Força Nacional, que reúne policiais de diversos estados, fossem mobilizados para a eventualidade de um acirramento da situação. Havia cerca de 150 homens à disposição, bem menos do que necessário.
O despacho de Dino sugeria a proteção da Esplanada dos Ministérios, mas não houve uma ação coordenada. "Foi uma atuação insuficiente" da Força Nacional, disse Dino, devido aos "limites institucionais" —a PM, afirma, mudou o planejamento e abriu o acesso à via que leva à praça dos Três Poderes.
Não houve também mobilização do Comando Militar do Planalto, responsável pela segurança do palácio presidencial —os soldados de choque instalados no subsolo do prédio só agiram depois que os bolsonaristas o invadiram.
Entre observadores da crise, duas hipóteses principais se sobrepõem. A primeira foi o relaxamento do governo Lula após a posse sem incidentes do presidente, associado ao fato de que o novo governo considera o GSI uma unidade militar bolsonarista a ser depurada.
O chefe do órgão no governo Jair Bolsonaro (PL), general Augusto Heleno, é um dos mais radicais antipetistas da antiga administração, entusiasta histórico de soluções de força. Lula colocou um general de sua confiança, Gonçalves Dias, para comandar o órgão, mas retirou dele a função de segurança presidencial.
Essa desconfiança pode ter travado o caminho dos alertas produzidos pela Abin, na visão de integrantes da agência. Já integrantes do governo apontam no caminho inverso, de que pode ter havido leniência por parte do GSI. De uma forma ou de outra, Dias não apareceu ainda na linha de frente do enfrentamento da crise.
Outro cenário é mais complexo, envolvendo o papel das Forças Armadas no caso. O ministro da Defesa, José Múcio, tem trabalhado numa linha de acomodação com os novos comandantes. Isso o contrapõe a Dino, adepto de uma linha mais dura, em consonância com a ação comandada do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral pelo ministro Alexandre de Moraes.
Um político com interlocução no meio militar e no Judiciário aponta que Múcio parece ter ficado vendido sobre a inação dos militares, que consideravam o acampamento de bolsonaristas na frente de quartéis inócuo, mesmo após o ensaio de baderna em Brasília no dia da diplomação de Lula, em 12 de dezembro, quando carros foram incendiados.
O temor, diz esse político, é que haja simpatia efetiva nas fileiras militares aos bolsonaristas, inspirada pela atitude dos antecessores do atual comando das Forças de evitar passar seus cargos no governo do petista —Múcio acabou costurando uma saída intermediária, mas ainda assim o chefe da Marinha, Almir Garnier, não apareceu para empossar o substituto.
Essa situação parece contornada com o desmonte do acampamento golpista em frente ao QG do Exército, com a presença do ministro Rui Costa (Casa Civil) no comando da Força. Mas o escrutínio sobre o que de fato ocorreu nos dias que antecederam ao 8 de janeiro ainda está para ser feito.
A Intelis (União dos Profissionais de Inteligência de Estado da Abin) divulgou nota reclamando que os alertas não foram ouvidos. "A questão do extremismo violento observado no país tem sido e continua sendo monitorada, permanentemente, dentro de nossas competências institucionais, e informações estavam e continuam sendo repassadas de maneira oportuna aos órgãos competentes", afirmou.